domingo, 22 de janeiro de 2012

Arquivo de Janeiro de 2012: A Alma da Biblioteca



       O pôr do Sol belo que invadia meu quarto não mudava meu estado de espírito. Completamente entediado e à beira de berrar com o silêncio que estava vagando naquela casa ocupada apenas por mim. Mein West resolveu sair e fazer sabe-se lá o que fosse, justamente no meu aniversário. E o fato de ninguém ter me ligado até o momento também não ajudava a me acalmar. Não, eu sou incrível demais para me incomodar com a falta de consideração vindo das demais nações, mas depois argumentam que tem uma boa memória. Certo, só se for para se vangloriarem dos próprios feitos.

       De qualquer modo, sozinho e prestes a ter um ataque de nervos, cogitei em dar uma saída quando algo no criado mudo me chamou atenção. Uma coisa prateada, que para mim era mais que familiar.

       A Chave da minha incrível biblioteca, que pensei ter perdido desde o incidente com Feliciano.

       Peguei-a e sem mais nem menos corri para um cômodo esquecido e trancado da casa, onde a minha grande biblioteca se encontrava fechada ao mundo exterior. Criada com o intuito de prolongar minha vida mesmo depois da inevitável morte, uma vez que o corpo tem seu fim, mas a alma se bem aproveitada, pode ser eterna. E o que pode ser mais incrível que a eternidade? Fazia questão de sempre colocar o máximo possível de detalhes em cada página, transformando-as em memórias feitas de papel.

       Infelizmente, ela não parecia intocada. Uma pilha pequena de diários estavam no chão abertos. Mas não tive tempo de pensar quem ou o quê fez isso, um vento forte passou por mim e acabou fechando a porta. Tentei abri-la, mas estava emperrada. “Scheiße....” murmurei. Será que Mein West perceberia minha falta? Talvez demorasse um pouco para isso. Sem muita opção, sentei no chão, apoiando as costas na porta. Abaixei a cabeça para massagear a testa pensando em como contornar a situação, porém meu raciocínio foi interrompido com o som de passos.

       De início eu a ignorei, as chances eram altas de naquela situação de estresse isso não passar de uma alucinação auditiva. Depois, um outro som. E desta vez, era impossível ignorar, pois tratava-se de minha própria voz, me chamando. Ergui a cabeça e vi uma pessoa com um manto encapuzado a minha frente, com a mesma altura que eu.
 
Hallo, Gilbert! Espero não ter te assustado! ― Assim que notou que meus olhos estavam totalmente focados nele, ele abaixou a capa. Fora os olhos azuis, ele era exatamente igual a mim. A surpresa foi tanta que automaticamente que levantei do chão para analisá-lo melhor. Fiquei estupefato, e isso ficou evidente em minha face.Was? Não reconhece sua própria mentira?

       Estava muito perturbado para pensar em qualquer outra coisa, mas agora que ele me questionou, eu comecei a lembrar de algumas coisas. Especificamente, de uma mania antiga que tive quando sempre fazia algo errado, mas não queria levar a culpa. Eu argumentava que que na verdade o culpado era um “irmão gêmeo” meu, que chamei de Gilberto. A única diferença visível entre nós, em minha imaginação, era justamente os olhos azul turquesa dele.   

― Sim, eu sou Gilberto Beilschmidt! Seu “suposto” irmão gêmeo... Ao menos por agora.

       Queria entender a razão de passar por tal tipo de experiência. Provavelmente fiquei louco de tanto isolamento, ou isso não passava de um sonho e no fundo estava tudo bem. Qualquer que fosse a explicação, não mudava que eu estava preso com algum tipo de entidade que se apossou de uma de minhas manias mais íntimas e antigas. Senti-me invadido. Gilberto, por sua vez, olhava o local de forma pesarosa, até se dispor a continuar.

― Faz tempo que não entra aqui, não é verdade? Este lugar sente saudades de você. Muita saudade. Todavia, ela também sente raiva pelo abandono. Fui incumbido de te lembrar o peso do passado escrito nessas páginas. ― Arquei as sobrancelhas, confuso.

― Você fala como se este lugar estivesse vivo. ― Ele suspirou, desabotoando o manto e tirando. Até a roupa era a mesma que usava.
 
― São as consequências de tentar imprimir uma vida em objetos inanimados.

       Gilberto jogou o manto em cima de mim e assim que desvencilhei daquilo ‒ sentindo certa raiva da atitude infantil dele ‒, vi um cenário que dissipou qualquer outra emoção que estivesse acontecendo no momento. Não estávamos mais num cômodo esquecido da casa de Mein West, mas sim numa versão teatral de um passado que torcia para esquecer mais que tudo. Não porque eu sofri e chorei; muito pelo contrário, eu era quem causava dor e sofrimento. E o pior: amava isso. Amava ser temido. Era a única forma de respeito que conhecia nessa época. O céu escuro pela fumaça da pólvora recém-descoberta, as “baixas” jazendo no chão, sujos de carmesim.

       No que antes encontrava sentia prazer em realizar, agora apenas encontrava terror. Um conto de terror em que infelizmente Oresama era o monstro. Olhei para minhas mãos sujas de pólvora e sangue, só então reparando em minhas vestes de guerra, outrora motivo de orgulho, agora uma testemunha da minha crueldade. Procurei por meu “irmão” mas ele não estava lá, e sim, uma versão de olhos de azuis do austríaco.

― Está feliz em ver este cenário, Grande idiota? Existem diversas páginas citando o prazer que você tinha em ver este cenário macabro. Me diga, está feliz? ― Eu rangi os dentes, a resposta era óbvia até para ele.

― Não, não estou. E me arrependo profundamente disso, acho que este sentimento também está guardado na biblioteca, não? ― Ele deu de ombros, ajeitando os óculos.

― Até está, mas é uma pequena porcentagem. ― De fato, era verdade. O período imperial foi meu auge. Foi quando conheci todos (da forma errada, confesso) e botei meu nome no mundo como potência bélica. Mas esse tipo de conquista não se alcança sozinho, e neste caso tive a ajuda de alguém muito especial para mim. O austríaco pareceu notar onde meus devaneios foram, e sorriu. ― Já que é assim, vamos até a outra página. A morte mais marcante de sua vida.

       Oresama sabia muito bem do que ele falava. Por isso não estranhei o novo cenário que surgiu num piscar de olhos. Agora de terno preto e segurando um buquê bem cuidado, enorme e enfeitado. O céu quase sem nuvens e a grama verdíssima, contrastava ao ponto de se tornar uma zombaria frente ao meu sentimento de perda.

       É, aquele era o funeral do velho Fritz, praticamente um pai para mim.

       Mesmo depois de séculos, ainda é um evento muito marcante. Ele não me tratava apenas como um nação guerreira mas também como um filho. Friedrich II me ensinou diversas coisas ‒ música, economia, filosofia e a lista segue ‒ mas em especial, a como ser humano.

       Ele deu propósito para toda aquela energia negativa que carreguei durante meus tempos bélicos e me proporcionou uma nova visão de mundo. Se Oresama é o que vocês veem hoje, é por causa dele. Por isso, sempre tentei ser uma nação exemplar para que o pequeno Ludwig sequer imaginasse que esse tipo de deficiência já existiu em mim.

 ― Existem várias e várias páginas demonstrando o quanto ele foi importante para ti. ― Ao meu lado, o “Gilberto” com as mesmas vestes e expressão que eu observava tudo ao longe. Eu não podia discordar de nada, então fiquei em silêncio e depositei o buquê em seu túmulo, limpando as lágrimas que já se formavam. ― Se não me engano, você escreveu um parágrafo inteiro sobre a dificuldade de dar adeus ao seu “pai”. Chega a ser emocionante ver alguém tão egocêntrico expressar tal preocupação pura. ― Ele forçou um riso, mas tudo que arrancou de mim foi desdenho.

― Me tire daqui, bitte. Para qualquer lugar...

       Interrompi minha fala quando vi que Gilberto fechou os olhos e começou a rezar. Sendo o mais justo nesta situação, fiz o mesmo. Assim que terminei e abri os olhos, o cenário mudou completamente. Mas não a sensação de repulsa assim que conheci onde estava. Um quarto minúsculo e uma iluminação porcamente colocada, tornando a noite que entrava pela única janela trancada por grades e cadeado quase que uma convidada no cômodo.

       Tudo isso era típico de uma única memória: Aquela maldita época que fui forçado a ser apenas um Estado independente da Alemanha. Foi uma amarga época. Nas reuniões dos países nazistas, eu tinha que parecer feliz e satisfeito com toda aquela mazela que foi a Segunda guerra mundial. Mas, por trás das cortinas, me deixavam aqui mofando, para que eu não fizesse nada fora do planejado deles. Era um absurdo.

       A entidade de olhos azuis, por sua vez encolheu-se em um canto, provavelmente, entristecido e assustado com esta lembrança. Pois era exatamente assim que me sentia. Oresama não possuía a mesma facilidade de aceitar tudo como Mein West, então esta época foi estressante demais. Sabendo disso, não pude deixá-lo nesta situação, e tentei consolá-lo.

― Não fique assim, o pior já vai passar...

― Sim, o pior... ― Ele ergueu a cabeça para continuar algum assunto, mas seu rosto estava totalmente desfigurado e deteriorado. Tomei um susto tão brusco que o mundo ao meu redor mudou e não percebi. Mas dado o local, não alterava o sentimento de ser prisioneiro.

       Aquela neve grossa, meu corpo cheio de ferimentos ‒ inclusive no rosto ‒ e um muro extenso, erguido em um tempo desumano. Estava de volta aos tempos infernais do muro de Berlim. Não tinha outra época que eu odiasse mais que essa. Não preciso nem dizer o quanto, há várias outras postagens dizendo melhor. Ao invés de perder tempo despejando ódio, olhei ao redor para procurar onde estava o “Gilberto”. Mas ao invés disso, encontrei um Rússia de olhos azuis. E aquela mesma expressão maldita.

― Então Gilbert ~ o que sente agora? Me impressiona o quanto você escreveu com ardor sobre este período, deixando claro o ódio que você tinha. ― O russo pausou sua fala e deu um sorriso largo e sombrio, como se lembrasse de um crime que cometi. Ele segurou meu queixo e agarrou-me pela cintura, para caso eu tentasse me debater. ― Não, ódio não. Você às vezes gostava do tempo que ficou com Ivan, não aquele que comandou o comunismo no mundo inteiro estragando a vida de países e pessoas humanas. Mas Ivan, o seu amigo de infância, inocente, e um pouco cruel, mas de bom coração.

― Cale-se, bitte. ― Eu cortei o assunto o mais rápido possível, antes que chegasse a um ponto constrangedor. ― Oresama não tem mais nada com aquele russo...

― Ora, isso é novo. ― Ele fingiu surpresa. ― Mesmo em suas últimas páginas, você declarou um amor por todos que circundaram sua vida, inclusive ele. Não minta. Você não pode mentir para sua própria alma.

       Cansei disso. Qual era o sentido em me fazer rever todos os momentos dolorosos? Qual a razão em me fazer sentir horror, tristeza, amargura e arrependimento? O que tudo isso tinha haver com mostrar a vida que minha biblioteca levava? Já chega. Não aguentei mais e tive que questionar o porquê desta volta sem sentido.

― Qual é sua intenção ao me mostrar tudo isso?

― É mostrar que o local que você criou é mais que uma biblioteca. É sua obra de vida. Nela, você escreveu sobre coisas fúteis e descartáveis, mas também sobre assuntos que deixaram lágrimas sobre o papel ou que passaram a mais pura alegria. Não é justo ela ficar largada, sem algum tipo consideração ou capítulo final. ― O “Rússia” sorriu. ― Afinal, você sabe que a morte é inevitável, vai querer deixar isso incompleto?

      É verdade. Aquilo tudo eram provas concretas das histórias que vivi. Elas podem ser apagadas dos livros de História, mas não minha biblioteca ‒ e nem do meu coração. Talvez, depois de todas essas experiências, a minha biblioteca seja uma das coisas mais incríveis que já criei. Eu sorri no meio dessa redescoberta, e isso foi suficiente para o russo roubar um beijo de mim.

       Obviamente surtei com aquilo, acordando de supetão e percebendo que era só mais um sonho. Ao menos eu achava até ver a chave da biblioteca ao meu lado. Depois de tudo, senti-me na obrigação de compilar e encadernar todos os meus posts naquela manhã de 18 de Janeiro ‒ meu aniversário ‒ e depositá-las naquela incrível biblioteca.
...

       Ah é, só para deixar registrado, meu novo emprego: Cirurgião! Kesesese~


Auf wiedersehen!

[Sim, o post é sem sentido, não me matem por isso... Foi culpa da crise de criatividade! Mas eu não posso deixar o aniversário do Gilbert em branco.]

Comentários

Alfred F. Jones (Estados unidos)

Sei como é doloroso perder alguém que a gente ama e é importante para a nossa existência. Mas a biblioteca de suas lembranças é muito demais! Mesmo que algumas sejam sangrentas, foi vitórias que você conseguiu em sua vida!

Resposta: Danke Alfred. E eu sei que ela é demais, foi Oresama que fez ela.

Roderich Edelstein (Áustria)

Parece inevitável fazermos essa regressão no tempo no dia da pátria. Bem, independente das marcas do passado, feliz aniversário, Prússia.

Resposta:  Danke, Áustria. Eu sou incrível, portanto tenho que ter lembranças incríveis, certo?

► Arthur Kirkland (Reino unido)

Happy Birthday! Apesar do dia pesado de memórias ruins.
Sempre temos algo que queremos esconder, que nos envergonha. Mas é bom sempre guardar, para não cometer os mesmos erros do passado.
Se a vida não tivesse desafios, ela seria muito sem graça.

[Adorei o post, estava com saudades de ler um post profundo assim.]

Resposta: Concordo. Você então, deve ter muitas coisas que se lamenta, né? América já é um grande motivo, haha ~ [Danke Inglaterra ~ É, realmente, mas posts profundos tem que ser para eventos e dias especiais, afinal, é um blog de comédia!]

Ele criou um herói, não tem do que se lamentar!

Resposta: É... Mas até chegar nisso... [Coitado]

Kiku Honda (Japão)

Alguns dizem que não, mas memórias podem ser mesmo poderosas. É tão estranho quando olhamos para trás e nos arrependemos de tudo...
E que sonho para se ter bem no dia do aniversário! Mas, pelo o visto, parece que essa sua biblioteca ficará repleta de boas novas memórias ne
Ah, e otanjoubi omedetou gozaimashita~

[O Gilberto existe! 2012 chegou! aaahhh!!! corram para as colinas! q]

Resposta: Ja, ja. Você também é outro velho que deve entender isso muito bem. E espero que sim, kesesese~ Danke! [ELE EXISTE, EU SEI!]

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